Esta música de Chico Buarque reflete exatamente como viviam as mulheres de Atenas na Grécia antiga, e cá entre nós, a vida delas não era nada fácil.
O PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE GREGA
Trabalhando fundamentalmente com o caso ateniense, procuraremos apresentar alguns aspectos sobre a condição da mulher no Período Clássico. Observamos precipuamente que as mulheres gregas em geral eram despossuídas de direitos políticos ou jurídicos e encontravam-se inteiramente submetidas socialmente.
A ateniense casada vivia a maior parte do tempo confinada às paredes de sua casa, detendo no máximo o papel de organizadora das funções domésticas, estando de fato submissa a um regime de quase reclusão. Mesmo antes do casamento, nem se pensava que a jovem pudesse encontrar-se livremente com rapazes, visto que viviam fechadas nos aposentos destinados às mulheres – o gineceu. Deviam lá permanecer para ficar longe das vistas, separadas até dos membros masculinos da própria família.
A inferioridade da mulher e da sua posição pode ser atestada pela Política de Aristóteles que a justificava em virtude da não plenitude na mulher da parte racional da alma, o logos. Observamos inclusive no texto aristotélico, que para tanto faz uso das palavras de Sófocles, que as mulheres deviam, por sua graça natural, permanecer em silêncio, o que é por demais significativo de sua condição numa comunidade democrática, na qual a participação isonômica na política, ou seja, na vida da pólis, caracterizava o ateniense, singularmente nas assembléias deliberativas da Pnix e na ocupação das diversas magistraturas.
Jean Pierre Vernant observa mesmo que o que implicava o sistema da pólis era primeiramente uma fantástica preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos do poder. Palavra que não era mais o termo ritual, a fórmula justa, mas o debate contraditório, a discussão, a argumentação (Vernant, 1989: 34). Calar a mulher significava portanto, efetivamente, o mesmo que excluí-la inteiramente da cidadania. Vejamos então as palavras do Estagirita:
"Isto nos leva imediatamente de volta à natureza da alma: nesta, há por natureza uma parte que comanda e uma parte que é comandada, às quais atribuímos qualidades diferentes, ou seja, a qualidade do racional e a do irracional.
(...) o mesmo princípio se aplica aos outros casos de comandante e comandado. Logo, há por natureza várias classes de comandantes e comandados, pois de maneiras diferentes o homem livre comanda o escravo, o macho comanda a fêmea e o homem comanda a criança. Todos possuem as diferentes partes da alma, mas possuem-nas diferentemente, pois o escravo não possui de forma alguma a faculdade de deliberar, enquanto a mulher a possui, mas sem autoridade plena, e a criança a tem, posto que ainda em formação.
(...) Devemos então dizer que todas aquelas pessoas tem suas qualidades próprias, como o poeta (Sófocles, Ájax, vv.405-408) disse das mulheres: ‘O silêncio dá graça as mulheres’, embora isto em nada se aplique ao homem” (Aristóteles, Política, I, 1260 a-b, pp. 32 e 33).
Segundo Maria da Graça Ferreira Schalcher, tal passagem da Política recoloca em questão a fraqueza da mulher, não apenas na dimensão fisiológica, mas investida de uma conotação ético-metafísica com as relações entre a alma e o corpo, e entre as partes da alma, uma provida e a outra desprovida de razão; a primeira constituindo o elemento hegemônico e a segunda, o elemento subordinado. Ainda que Aristóteles afirme, sublinha Schalcher, em coerência com o fato de a mulher pertencer ao gênero humano, que todas as partes da alma estão nela presentes, ele considera essa presença de forma distinta em relação ao homem, pois apesar de a mulher possuir a capacidade de deliberar, falta a ela a capacidade de decidir (Schalcher, 1998: 338). Pode-se questionar que Aristóteles não fosse um “ateniense” típico do IV° século e que, portanto, sua visão pessoal fosse somente um projeto de agir sobre o social e não a constatação de uma realidade já dada. Mas se recorrermos, por exemplo, à comédia de Aristófanes intitulada
A Assembléia de Mulheres (392 a.C.) verificamos o quão inusitado seria a participação feminina na vida pública. Segundo Marta Méga de Andrade, a comédia de Aristófanes ainda que assumisse sua irrealidade, não assumia sua impossibilidade. Era justamente porque a pólis de então, aquela após a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), já aceitava uma positividade com relação à presença feminina no espaço público que Aristófanes pode identificar a possibilidade, ainda que risível, das mulheres assumirem o governo (Andrade, 1999: 264).
Mas, por outro lado, o subterfúgio do travestimento, ou seja, o fato de que os atores, vestidos de mulher, travestiam-se de homens para, discursando e votando como homens, conferirem às mulheres o governo da cidade, por si só já caracterizava o reconhecimento, até mesmo no âmbito da ficção, de que as mulheres não podiam e nem reivindicavam o direito de, enquanto mulheres, participar da assembléia dos cidadãos (Andrade, 1999: 265). Devemos observar que isto se dava mesmo nesta Atenas do início do século IV, onde os valores citadinos achavam-se em crise pela derrota na guerra. Como se vê, a participação efetiva da mulher no mundo da pólis, mesmo na ficção e numa época de crise de valores, era de todo impensável.
O que não significa, entretanto, que não tivessem sido desenvolvidos espaços de fala feminina como esferas próprias de sua atuação social no interior da cidade. Realmente, como salienta Fábio de Souza Lessa, a mulher agia, e agia relevantemente, como elemento de integração social ao romper com o silêncio, ao disseminar informações que revitalizavam o processo de identidade junto ao grupo de parentes, amigas, vizinhas, associações religiosas.
Tratando-se de uma sociedade de comunicação fundamentalmente oral, era vital a circulação de informações, a integração era mesmo mantida, segundo Lessa, pelo fato das pessoas dialogarem em suas próprias casas, com seus vizinhos, na Ágora, nos espaços públicos e privados, até mesmo porque nas póleis as questões privadas tinham claro interesse público. Assim, nos contatos com suas phílai durante a realização das atividades domésticas que pressupunham um trabalho coletivo, em ocasiões de visitas às vizinhas, nas idas à fonte, na colheita de frutos, as esposas encontravam a possibilidade de dialogarem entre si, transmitindo informações e, simultaneamente, se mantendo informadas acerca dos acontecimentos e dos saberes que circulavam na sociedade políade (Lessa, 1999: 160-161). Luís Garcia Iglésias trabalha mesmo com a hipótese de uma participação da esposa, de forma indireta, na vida política.
Segundo este autor, as opiniões das esposas podiam de fato sensibilizar os maridos nas decisões que estes tomavam na Assembléia (Iglésias, 1986: 108). Com relação à condição feminina em Esparta para o mesmo período, observamos que suas mulheres pareciam ter uma “liberdade” maior que as atenienses. Inclusive, Aristóteles na Política, ao criticar as falhas do regime espartano, tratava, logo após a ameaça dos hilotas, a das mulheres. Segundo ele, as espartanas eram até licenciosas, depravadas e luxuriosas. Acusava-as, principalmente, de mandarem nos maridos, deixando subentendido que o motivo disto estava no fato de muitas viúvas casarem novamente, levando consigo os direitos sobre o lote de terra (kléros) cultivado pelos hilotas.
Observemos suas palavras: